A legislação laboral define teletrabalho como «a prestação laboral realizada em subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação».

Com a crise pandémica, a execução do contrato de trabalho à distância ganhou maior expressão, impondo-se, inclusive, a sua obrigatoriedade sempre que esta forma de execução seja compatível com a atividade prestada e desde que o trabalhador disponha de condições para a exercer. Não obstante, a adoção repentina (e em massa) desta modalidade, tem levantado diversas questões no seio da tessitura empresarial, nomeadamente no que concerne aos direitos e deveres do “teletrabalhador”.

Regra geral, o trabalhador em regime de teletrabalho está adstrito aos mesmos direitos e deveres que o trabalhador in-house. A legislação laboral consagra expressamente esta regra, com destaque à formação e promoção ou carreiras profissionais, aos limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, e à segurança e saúde no trabalho. Contudo, dada a especificidade do regime e a conjuntura pandémica que vivenciamos, urge ir mais além, com vista problematizar situações concretas e indissociáveis desta modalidade.

Nesta conformidade, é de relevo, a par com a legislação laboral em vigor (artigo 168.º do Código do Trabalho), ter presente o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, ratificado pela Lei nº 1-A/2020, de 20 de Março, que define diretrizes específicas para o regime de teletrabalho em contexto de pandemia e ainda o Decreto-Lei nº 11-A/2021, de 11 de Fevereiro, que fixa a obrigatoriedade do regime de teletrabalho para todos os trabalhadores “independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para a exercer”.

Do Decreto n.º 4/2021, de 13 de Março, resulta ainda que o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, sem redução de retribuição, nos termos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva aplicável, nomeadamente no que se refere a limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional, mantendo ainda o direito a receber o subsídio de refeição que já lhe fosse devido.

Perguntam-nos frequentemente:

Poderá o trabalhador exigir da Entidade Patronal a disponibilização dos equipamentos de trabalho e de comunicação que se mostrem necessários à prestação do trabalho à distância?

Será o empregador responsável pelo pagamento de despesas de luz, internet, rede móvel, entre outras, do trabalhador?

O trabalhador em regime de teletrabalho mantém o direito de receber subsídio de refeição?

De que meios de controlo poderá a Entidade Patronal lançar mão para aferir o desempenho do trabalhador?

Vejamos, cada uma destas questões:

No que respeita à primeira questão, tanto a legislação laboral como o diploma mencionado estipulam que é da competência do Empregador facultar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de trabalho à distância, sem prejuízo de acordo entre empregador e trabalhador em sentido diverso.

Por norma, este acordo só se verificará quando a Entidade Empregadora estiver impossibilitada de disponibilizar os equipamentos e desde que o trabalhador consinta em utilizar os que disponha. Por maioria de razão, quando à Entidade Patronal caiba a disponibilização dos equipamentos, sempre estará ao seu alcance a possibilidade de fixar regras de utilização, bem como definir critérios de controlo não evasivos da privacidade do trabalhador, opção que lhe está manifestamente vedada quando os equipamentos pertençam ao trabalhador.

No que concerne à segunda questão, a legislação é omissa, o que tem despoletado grande debate no seio da comunidade jurídica. Se há quem entenda que é ao Empregador que compete assegurar o pagamento destas despesas, não há que olvidar a carência de critérios objetivos que permitam aferir a percentagem de custo que deverá ser adjudicada à Entidade Patronal. Pois se por um lado parece excessivo caber ao trabalhador assegurar o acréscimo das suas despesas por facto exclusivamente imputável à prestação do trabalho, por outro também parece desproporcional exigir que a Entidade Empregadora suporte despesas incorridas no âmbito da vida pessoal do trabalhador. Por ora, a opinião dominante tem entendido que estas despesas deverão ser suportadas pelo trabalhador, estando na livre disponibilidade da Entidade Patronal atribuir (ou não) uma compensação destinada a suportar este acréscimo de custos. Note-se que falamos aqui em acréscimos de custos, uma vez que se os custos se mantiverem dentro do padrão normal corrente dos antes suportados pelo trabalhador, não haverá qualquer ónus a ser suportado pelo empregador – cf. artigos 127.º do Código do Trabalho e 71.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e 59.º, n.º 1, alínea b) da Constituição.

Já no que diz respeito à atribuição do subsídio de refeição ao trabalhador em regime de teletrabalho, ainda que, uma vez mais, se trate de uma disciplina omissa da nossa legislação, foram emitidas diretrizes que propugnam pela sua exigibilidade com fundamento no Princípio de Igualdade de Tratamento do Trabalhador em Regime de Teletrabalho constante do Art.º 169 do Código do Trabalho. Todavia, esta posição não é consensual, havendo mesmo quem defenda que o pagamento do subsídio de refeição poderá ser afastado mediante acordo escrito entre Empregador e Trabalhador.

No entanto e considerando o quadro legal do estado de emergência, a mais recente legislação sobre o teletrabalho prevê especificamente se se antes de estar em teletrabalho o trabalhador recebia subsídio de refeição, também terá de o receber em teletrabalho.

Por fim, estando em causa uma questão relacionada com a proteção de dados pessoais, importa chamar à colação o Regime Geral de Proteção de Dados, que, em conjugação com os artigos 22º e 23º do Código do Trabalho, colocam limites ao poder de controlo do desempenho do trabalhador por parte da Entidade Empregadora. Com efeito, encontra-se manifestamente vedado àquela a utilização de mecanismos manifestamente intrusivos no controlo da prestação do trabalho como sejam: o rastreamento de rato, as capturas de ecrã, a obrigatoriedade de o trabalhador estar sistematicamente com a câmara ligada, ou qualquer outro que permita fazer uma leitura remota, com ou sem conhecimento do trabalhador, que implique uma violação do Princípio de Proibição do Excesso. O acabado de expor, não significa que o trabalhador esteja isento de qualquer controlo, mas tão-somente garantir o equilíbrio entre as necessidades de obtenção de informação por parte Entidade Empregadora e a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, de forma a que o controlo a que o trabalhador é submetido não seja superior ao que seria efetuado nas instalações da Entidade Empregadora. A título de exemplo, pode a Entidade Empregadora exigir que o trabalhador detenha um registo dos tempos de trabalho, proceder a marcação de reuniões, entre outros.

Em suma, o regime de teletrabalho configura uma modalidade de prestação de trabalho que tem conquistado a sua relevância no seio das empresas, não só em virtude das atuais vicissitudes de saúde pública, mas também pelas vantagens ligadas à gestão de recursos pela empresa e do próprio tempo útil do trabalhador. Por definir em sede futura restará o seguinte: se o retorno da normalidade que todos cremos expetável ditará o regresso do loop casa-trabalho, trabalho-casa ou se, por seu turno, convergirá com a continuidade deste regime em moldes mais testados e necessariamente, mas regulados.
Independentemente do que ditar o futuro, algo se afigura incontornável: entre o trabalhador e a empresa resultará sempre uma relação de simbiose natural que a distância não rasura, nem apaga, pelo que se tornam inadiáveis novas formas de pensar o trabalho sem, contudo, colocar em causa os direitos e deveres de ambos, que tanto tempo levaram a conquistar.

Raquel Rodrigues de Matos, Advogada
LS Advogados, RL

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